Literatura
As mudanças que ocorrem nos valores que as
sociedades prezam levam muitos anos para acontecer, quando acontecem. Alguns
livros ajudam a ver esta evolução ou a perceber, justamente, que ela ainda pode
ser um desafio, como "O conto da Aia" (1985), de Margaret Atwood.
[Imagem: Hulu/Reprodução] |
Na estória de Atwood, um grupo
fundamentalista cristão - quando falamos de fundamentalismo, estamo-nos
referindo a pessoas que são extremistas e se mascaram em religião, a qual não
prega esta forma de comportamento - assassinou o presidente e os parlamentares
dos EUA. Logo após, instalou a República do Gilead.
Na República do Gilead, as mulheres perderam
todos os direitos conquistados por anos, até a própria liberdade. Os danos ao
meio ambiente fizeram com que muitas delas se tornassem inférteis.
Para aquelas que eram férteis, o destino foi
difícil. Elas foram separadas das demais e postas a "serviço" do
governo, devendo ser estupradas mensalmente para gerar nova população ao país,
filhos do regime.
E, ao longo do mês, elas serviriam como aias
(damas de companhia). A protagonista, Offred, perdeu o marido e uma filha
durante a tomada do poder. As aias eram distintas das esposas (inférteis) dos
comandantes pela cor da roupa - enquanto elas vestiriam vermelho e chapéu
branco, as esposas ficavam em verde.
E é Offred que conta, em texto em primeira
pessoa da protagonista-narradora, todos os detalhes do regime político,
econômico e social do Gilead. Aias eram abusadas em rituais absurdos no período
fértil, e quem tentasse fugir seria morta. Gays, se descobertos, cometiam crime
sexual e eram mortos também. Médicos que fizessem aborto em mulheres estupradas
também poderiam ser executados.
Margaret Atwood contou à editora Rocco - que
publicou no Brasil a tradução de sua obra - das experiências vividas estando
próxima a regimes ditatoriais, inspiração para o livro. Na Europa, havia a
Alemanha Oriental e Tchecoslováquia. As pessoas vivam sentindo a impressão de
serem espionadas, contavam do "desaparecimento" de pessoas de certas
casas, falavam em códigos. Ficava clara a ideia de que um regime de governo
pode terminar em pouco tempo, e o autoritarismo vir.
Tão impressionante como o próprio livro em
si é saber o que se passou com Margaret ao escrevê-lo. Ela queria ficção, mas
com absolutamente todos os elementos reais, e sabia do poder que seu livro
tinha.
A atualidade do livro vem das inúmeras
situações onde governos e sociedades passam a crer em regimes mais duros como
soluções, mas doses de autoritarismo são extremamente prejudiciais e liberdade
é como vacina, vai se desgastando com o próprio sucesso, fazendo acreditar que
não é necessária - mas é, e para todos, exceto quem cometer crimes, sendo
necessária justiça ao defini-los.
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