Literatura
Veja o último trecho do conto ‘A
Cartomante’. Para ler toda a sequência, clique no marcador A Cartomante –
Machado de Assis.
“— Passas custam dinheiro, disse ele
afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
— Pergunte ao seu coração, respondeu ela.
Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e
deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
— Vejo bem que o senhor gosta muito
dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá, tranquilo. Olhe a escada,
é escura; ponha o chapéu...
A cartomante tinha já guardado a nota na
algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se
dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante, alegre
com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi
esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
Tudo lhe parecia agora melhor, as outras
cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a
rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela
e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a
ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se
tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao
cocheiro.
E consigo, para explicar a demora ao
amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar
o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos,
reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o
objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não
adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas
e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o
mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si
mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a
exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da
despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com
os antigos, uma fé nova e vivaz.
A verdade é que o coração ia alegre e
impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao
passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até
onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do
futuro, longo, longo, interminável.
Daí a pouco chegou à casa de Vilela.
Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava
silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta
abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
— Desculpa, não pude vir mais cedo; que
há?
Vilela não lhe respondeu; tinha as feições
decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo
não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita
morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver,
estirou-o morto no chão.”
FIM
□
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