Muitas
vezes situações simples como uma cobrança podem tornar-se foco de conflitos sérios
e desconfortáveis. O fato aconteceu no bairro de Outra Banda, no município do
Acaraú, interior do Ceará. O bairro tem esse nome porque havia um riacho, há
muito tempo atrás, que cortava o centro da cidade de um povoado. Toda vez que
alguém ia atravessar o riacho dizia que queria ir para a Outra Banda, daí
surgiu o bairro que se desenvolveu às margens do rio Acaraú e destacou-se pelas
indústrias de pescados. Atualmente é um dos bairros mais populosos da cidade.
E,
com tanta gente residindo por ali, não poderia deixar de acontecer alguns
espetáculos de vez em quando. Certo dia, por volta das sete da manhã, voltando
da mercearia pertinho da minha casa, defrontei-me com uma mulher de face
visivelmente perturbada que caminhava de um lado para outro à espera de alguém.
De súbito ela avistou quem procurava.
Era
a vizinha da frente. Imediatamente, dirigiu-se a ela e disse:
—
Pague o que me deve. Comprou tem que pagar.
—
Não tenho o seu dinheiro agora! Vá embora! – respondeu a vizinha devedora.
Então,
sem muita conversa, a mulher foi embora, mas avisou-a com os olhos cheios de raiva
de que voltaria para pegar o que era seu e não esperaria mais nenhum dia.
Presenciei
a cena, intrigada, mas não dei muita importância. Passou e acreditei que tudo
teria acabado, porém, por volta do meio-dia, saboreando um gostoso camurupim, peixe
típico dessa região praiana, quase me engasguei com uma espinha, tamanho foi o susto
que tomei quando ouvi um grito, e outro e mais outro. Estranhei, visto que não
era comum, até então, ouvirem-se gritos na rua, ainda mais naquele horário. Fui
até a porta e um tumulto que se formara na rua aguçou a minha curiosidade. Saí
e cheguei mais perto para verificar o que ocorria. Eram as duas mulheres,
cobradora e devedora, que discutiam com ferocidade. Aos poucos, as pessoas
saíam de suas casas para ver o que estava acontecendo. As palavras que
pronunciavam eram cada vez mais fortes e pesadas e ambas pouco se importavam
com as crianças que ali estavam. Na realidade, elas só queriam acertar as suas
contas. Como já era de esperar, as duas engalfinharam-se no meio da rua. Uma
puxava o cabelo da outra com tanta selvageria que nem dava mais para perceber
quem era quem. A multidão que se formara ao redor das duas apreciava atônita e
imóvel aquele espetáculo de horror. Pensei comigo que Outra Banda já não era a
mesma. Onde ficou a política de boa vizinhança? O público olhava, mas não fazia
nada.
Por
fim, depois de muito cabelo arrancado, a confusão acabou. Tudo em vão! A
cobradora não recebeu o seu dinheiro e saiu do local com o orgulho ferido. A
devedora, agora com fama de má pagadora, foi-se com machucados graves em sua
dignidade. O caro leitor deve ter tido a impressão de que Outra Banda é um
bairro um tanto quanto agitado. Entretanto, perceba que cobranças acontecem
diariamente e em todos os lugares. O diferencial está na forma como ela é
feita. Neste caso, a cobradora pouco paciente e a devedora inadimplente criaram
um cenário conflitante que modificou o ambiente de Outra Banda. Espero que não
aconteçam outros fatos assim novamente, mas, só para garantir os meus cabelos,
peço-lhes licença para ir à mercearia pagar uma conta antiga.
CARNEIRO,
Maria Jéssica.
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