A Questão da Aula Cronometrada.

Novamente, colocam-se em pauta os novos rumos da sociedade e da educação em nosso país. Trata-se de um assunto delicado a origem do problema da educação no país. Culpar professores e estabelecer metas educacionais parece ser a solução. Só parece...
O Brasil vive uma fase de expansão econômica, inegavelmente. Porém, conforme diversos especialistas em economia, o crescimento esbarra na falta de mão de obra qualificada, na ampliação das atividades de pesquisa e extensão nas universidades, na baixa qualidade do ensino básico. Na edição 2170 de 23 de junho de 2010, a jornalista Roberta de Abreu Lima divulgou uma matéria relacionando o tempo de execução de atividades dentro da sala-de-aula juntamente com métodos ‘ineficazes’ de ensino. A reportagem teve vasta repercussão. Veja um trecho abaixo:

“(...) Munidos de cronômetros, os especialistas se plantam no fundo da sala não apenas para observar, mas também para registrar, sistematicamente, como o tempo de aula é despendido. (...), os cronômetros expuseram um fato espantoso: com aulas monótonas baseadas na velha lousa, um terço do tempo se esvai com a indisciplina e a desatenção dos alunos. Equivale a 56 dias inteiros perdidos num só ano letivo.
(...)
 Resume a especialista Maria Helena Guimarães: "Monitorar a sala de aula é um avanço, à medida que ajuda a entender, na minúcia, as razões para a ineficácia". Não é de hoje que países da OCDE (...) investem nessas incursões à escola. (...)  Das visitas que fez a escolas nos Estados Unidos, o pedagogo Doug Lemov depreendeu algo que a breve experiência brasileira já sinaliza: ‘Os professores perdem tempo demais com assuntos irrelevantes e se revelam incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital’.”
REVISTA VEJA – 23.06.10 Disponível em: http://veja.abril.com.br/230610/aula-cronometrada-p-122.shtml  Acesso em 13 de abril de 2012.

As atividades de medida quantitativa da qualidade educacional são importantes, mas sozinhas não apontam soluções eficazes para a melhoria da educação em nosso país. O desinterese dos alunos são se deve somente à ineficácia dos professores. Para que um professor tenha melhores recursos didáticos, o governo precisa investir nestes recursos e proporcioná-los  aos professores. Também é preciso estimular os jovens para que sejam professores, principalmente na séries da educação básica.
Outro ponto importante a considerar é o fato de que gostar de estudar é algo considerado culturalmente como anormal. Não há uma visão mais ampla sobre o ato de estudar. Quando uma pessoa recomenda à outra que estude, o principal motivo apontado é o financeiro. Não se ensina às crianças e jovens que é preciso estudar para se tornar um cidadão, ou ainda mais além, um ser humano muito melhor.
O Blog do Mestre recebeu um e-mail, com um relato de uma professora, falando sobre o assunto. Como o assunto é realmente relevante, a direção do blog decidiu publicá-lo nas linhas que seguem:

Sou professora do Estado do Paraná e fiquei indignada com a reportagem da jornalista Roberta de Abreu Lima “Aula Cronometrada”. É com grande pesar que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do mau desempenho escolar com as VERDADEIRAS razões que geram este panorama desalentador. Não há necessidade de cronômetros, nem de especialistas para diagnosticar as falhas da educação. Há necessidade de que todos os que pensam que: “os professores é que são incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital” entrem numa sala de aula e observem a realidade brasileira. Que alunos são esses “repletos de estímulos” que muitas vezes não têm o que comer em suas casas, quanto mais inseridos na era digital? Em que pais de famílias oriundas da pobreza trabalham tanto que não têm como acompanhar os filhos em suas atividades escolares, e pior em orientá-los para a vida? Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas e destruídas pela ignorância e violência, causas essas que infelizmente são trazidas para dentro da maioria das escolas brasileiras.  (...)  Problemas da sociedade deverão ser resolvidos pela sociedade e não somente pela escola. Não gosto de comparar épocas, mas quando penso na minha infância, onde pai e mãe, tios e avós estavam presentes e onde era inadmissível faltar com o respeito aos mais velhos, quanto mais aos professores e não cumprir as obrigações fossem escolares ou simplesmente caseiras, faço comparações com os alunos de hoje “repletos de estímulos”. Estímulos de quê? De passar o dia na rua, não fazer as tarefas, ficar em frente ao computador, alguns até altas horas da noite, (quando o têm), brincando no Orkut, ou, o que é ainda pior, envolvidos nas drogas. Sem disciplina, seguem perdidos na vida.
Realmente, nada está bom. Porque o que essas crianças e jovens procuram é amor, atenção, orientação e disciplina.
Rememorando, o que tínhamos nós, os mais velhos, há uns anos atrás de estímulos? Simplesmente: responsabilidade, esperança, alegria. Esperança que se estudássemos teríamos uma profissão, seríamos realizados na vida. Hoje os jovens constatam que se venderem drogas vão ganhar mais. Para quê o estudo? Por que numa época com tantos estímulos não vemos olhos brilhantes nos jovens? Quem, dos mais velhos, não lembra a emoção de somente brincar com os amigos, de ir aos piqueniques, subir em árvores?
E, nas aulas, havia respeito, amor pela pátria... Cantávamos o hino nacional diariamente, tínhamos aulas “chatas” só na lousa e sabíamos ler, escrever e fazer contas com fluência.
Se não soubéssemos não iríamos para a 5ª. Série. Precisávamos passar pelo terrível, mas eficiente, exame de admissão. E tínhamos motivação para isso.
Hoje, professores “incapazes” dão aulas na lousa, levam filmes, trabalham com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para leitura em sala-de-aula (o que às vezes resulta em uma revolução), levam alunos à biblioteca e a outros locais educativos (benza, Deus, só os mais corajosos!) e, algumas escolas públicas onde a renda dos pais comporta, até a passeios interessantes, planejados minuciosamente, como ir ao Beto Carrero.
E, mesmo, assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além disso, esses mesmos professores “incapazes”, elaboram atividades escolares como provas, planejamentos, correções nos fins-de-semana, tudo sem remuneração;
Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é cronometrado quando estão cansados. Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm de escolher entre ir ao banheiro ou tomar às pressas o cafezinho. Todos os profissionais têm direito ao vale alimentação, professor tem que se sujeitar a um lanchinho, pago do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40 h.semanais. E a saúde? É a única profissão que conheço que embora apresente atestado médico tem que repor as aulas. Plano de saúde? Muito precário.
Há de se pensar, então, que são bem remunerados... Mera ilusão! Por isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área, só permanecem os que realmente gostam de ensinar, os que estão aposentando-se e estão perplexos com as mudanças havidas no ensino nos últimos tempos e os que aguardam uma chance de “cair fora”.Todos devem ter vocação para Madre Teresa de Calcutá, porque por mais que esforcem-se em ministrar boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los de “vaca”,”puta”, “gordos “, “velhos” entre outras coisas. Como isso é motivante e temos ainda que ter forças para motivar. Mas, ainda não é tão grave.
Temos notícias, dia a dia, até de agressões a professores por alunos. Futuramente, esses mesmos alunos, talvez agridam seus pais e familiares.
Lembro de um artigo lido, na revista Veja, de Cláudio de Moura Castro, que dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus cidadãos ultrapassa um certo limite.
E acho que esse grau já ultrapassou. Chega de passar alunos que não merecem. Assim, nunca vão saber por que devem estudar e comportar-se na sala de aula; se passam sem estudar mesmo, diante de tantas chances, e com indisciplina... E isso é um crime! Vão passando série após série, e não sabem escrever nem fazer contas simples. Depois a sociedade os exclui, porque não passa a mão na cabeça. Ela é cruel e eles já são adultos.
Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os professores são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante é porque há disciplina. E é isso que precisamos e não de cronômetros. Lembrando: o professor estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos, capacitações que são realizadas, preferencialmente aos sábados. Portanto, a grande maioria dos professores está constantemente estudando e aprimorando-se. Em vez de cronômetros, precisamos de carteiras escolares, livros, materiais, quadras-esportivas cobertas (um luxo para a grande maioria de nossas escolas), e de lousas, sim, em melhores condições e em maior quantidade.
Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeiras possuem para os alunos sentarem. E é essa a nossa realidade! E, precisamos, também, urgentemente de educação para que tudo que for fornecido ao aluno não seja destruído por ele mesmo .
Em plena era digital, os professores ainda são obrigados a preencher os tais livros de chamada, à mão: sem erros, nem borrões (ô, coisa arcaica!), e ainda assim se ouve falar em cronômetros. Francamente!!!
Passou da hora de todos abrirem os olhos e fazerem algo para evitar uma calamidade no país, futuramente. Os professores não são culpados de uma sociedade incivilizada e de banditismo, e finalmente, se os professores até agora não responderam a todas as acusações de serem despreparados e “incapazes” de prender a atenção do aluno com aulas motivadoras é porque não tiveram TEMPO.
Vanessa Storrer - professora da rede Municipal de Curitiba.

Esta não é a primeira nem a última vez em que este assunto será debatido na sociedade brasileira. A visão geral precisa mudar, com urgência. Observe-se que esta matéria e, provavelmente a resposta, são oriundas de um ano atrás. Para vias de análise, prestemos atenção no que mudou na educação do nosso país desde junho de 2010. O slogan ‘Persistindo os sintomas, consulte um médico’ está valendo também para a educação brasileira. (AINDA...) Falta envolvimento. Faltam alunos com real vontade de estudar. Falta a real ideia da importância do estudo para o ‘eu’ e o ‘nós’. Faltam recursos didáticos para professores e alunos. Faltam salários que sejam condizentes com o trabalho de um professor. Falta ENVOLVIMENTO.
Os depoimentos abaixo foram extraídos do jornal Folha de São Paulo, de jovens participantes do encontro “Vem Ser Cidadão”, que reuniu 380 jovens de 13 estados em Faxinal do Céu (PR) no ano de 1998:

- “Eu não sinto vergonha de ser brasileiro. Eu sinto muito orgulho. Mas sinto vergonha por existirem muitas pessoas acomodadas. A realidade está nua e crua. [...] Tem de parar com o comodismo. Não dá para passar e ver uma criança na rua e achar que não é problema seu.” E.M.O.S. , 18 anos, Minas Gerais.
- “A maior dica é querer fazer. Se você é acomodado, fica esperando cair no colo, não vai acontecer nada. Existe muita coisa para fazer Mas primeiro você precisa se interessar.”  C.S.Jr. , 16 anos, Paraná.
- “Ser cidadão não é só conhecer os seus direitos. É participar, ser dinâmico na escola, no seu bairro”.
H.A., 19 anos, Amazonas                                                               
Depoimentos extraídos de “Para quem se revolta e quer agir” – Folha de São Paulo, 16.nov.1998.

A sociedade precisa se envolver com este tema. Um empresário pode pensar que este não é um problema seu, mas sente dificuldade em encontrar mão-de-obra qualificada. Pais e mães podem pensar, assim como seus filhos, que eles não precisam de boas notas (‘alcançando a média, está muito bom’). É preciso seguir o pensamento dos então jovens da reportagem e deixar o pensamento de que a Escola não educa para a vida. A escola educa o indivíduo para a sociedade que queremos construir, e nela estão as chaves das portas do progresso e da qualidade de vida.

Veja também: (Variedades) Long Live

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4 Comentários

  1. Aula cronometrada pelo que percebi não se trata de um assunto recente, o artigo é 2010. Hoje por acaso recebi através de um post; Carta Aberta de uma professora a Revista Veja. Li as matérias possíveis e este blog. Penso que a ação da aula cronometrada está dissociada da atuação do professor, seria uma ferramenta a mais para auxiliar no desempenho das aulas. Fiquei pasma ao perceber que 1/3 das aulas que correspondem a 56 dias de aula se perdem com a indisciplina e desatenção do aluno, não seria produtivo corrigir isto? A professora tem razão na sua preocupação com tal avaliação, discorrendo sobre o problema social de determinadas regiões e da falta de recurso do professor. Mas ainda assim creio que é um método positivo a cronometria de aulas.

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  2. Obrigado por seu comentário, Suely Negreiros. Quando se fala em cronometrar e dispor tempos produtivos, improdutivos e auxiliares, em um processo industrial, por exemplo, de nada adianta levantar estes tempos sem definir causas que não levem a altos índices produtivos e reduza os demais. Em uma sala de aula, é semelhante, e todos os integrantes, tanto professores como alunos estão envolvidos no processo. Ou seja, a cronometria envolve todos.

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  3. Gente, vivemos um sistema de ensino que não reprova. O professor deve ser passivo diante da indisciplina. Não pode ele dizer uma única palavra contra o aluno, mas a pode receber, calado. O tempo que temos para dar aulas é precioso, claro, é dever do bom profissional buscar fazer esse controle. Sou pesquisador de meios tecnológicos na educação e, parece paradoxal o que digo agora, detesto quando dizem por aí que nossos alunos estão integrados ao mundo digital, onde as informações circulam em suas mentes em grande velocidade. Já tive experiência de pedir a esses "nativos digitais" para fazer uma pesquisa e sua grande maioria (absoluta) não sabia aonde ir. Gente,embora minha experiência com o atuar como professor seja pouca, não acredito que essa solução vá mudar alguma coisa. Convivemos com alunos que simplesmente não querem estar ali, ficam com sua ferramenta tecnológica ouvindo música como se o professor fosse um OTÁRIO (e na verdade é, o Estado e pessoas como essa jornalista fazem isto eficientemente ao atribuir ao professor o não aprendizado e fracasso escolar desse aluno). O que deve ser repensado, acredito, são as atuai políticas educacionais. O que não está funcionando é manter um aluno que não quer nada com nada em uma sala de aula, mantê-los apenas por motivos econômicos do Estado ou município. É perceptível de que não temos "salvado" esse aluno, mas prejudicado aqueles que podem despertar o interesse pela leitura. Isso mesmo leitura com livro. Gente, nossos alunos passam no Ensino Médio sem ter lido UM livro e quando o professor começa a "pegar pesado" vem um aluno e reclama e "ganha o caso". O que digo é que não podemos mostrar a esses alunos que eles estão FRACASSANDO como pessoas (corrigir provas com perguntas cada vez mais nível EASY com caneta vermelha é um crime contra a integridade do aluno, vai ferir sua autoestima) sendo que a sociedade o fará sem dó e nem piedade, e a caneta vermelha será ou o desemprego ou o sangue de seu corpo com um projétil da polícia ou de um bandido.Acredito, gente, que a educação possa mudar, mas isso só acontecerá quando o professor tiver autoridade e poder na sala de aula, quando sua voz instigar confiança e amor pela profissão, por esta ser valorizada. Aí sim, quando a profissão DOCENTE for valorizada, quando a escola tiver estrutura (como a dos EUA, que ela tão compara à nossa situação) pode utilizar o maior e mais preciso relógio para cronometrar, pode até fazer um teste de desempenho com seus alunos aferindo até suas respirações, kkkkk. Um abraço, galera.

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  4. Obrigado por sua participação, Luciel. Como você bem disse, existe sim tecnologia, mas ela não é necessariamente usada pelos alunos como ferramenta de estudo. Não existe estímulo ao professor como real educador, e isso coloca em xeque se realmente contar o tempo seria o foco neste momento. Há anos atrás, tínhamos menos informações disponíveis e mais pessoas capazes de procurá-las, enquanto temos perdidos em meio à vasta informação (dependendo também da profundidade dessa informação). São vários aspectos a serem pensados.

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