Literatura
Machado de Assis é um dos maiores escritores brasileiros e uma das leituras obrigatórias no Ensino Médio, não por acaso: ele sabe como ninguém retratar o ser humano e suas nuances. Além de livros, ele também se aventurou por outras paragens, como as poesias. Já trouxemos algumas delas aqui no Blog do Mestre e vamos dar continuidade com mais algumas poesias de Machado de Assis. Confira:
[Machado de Assis. Imagem: Universidade Federal do Espírito Santo] |
DEPOIS, VOCÊ PODE LER TAMBÉM
» "A Cristã-Nova", de Machado de Assis
» Uma resenha d"O Capítulo dos Chapéus"
ERRO (1860)
Vous . . . . . . . . . . . . .
Qui des combats du coeur n’aimez que la victoire
Et qui revëz d’amour, comme on rève de glore, 14
L’oeil fier et non voilé des pleurs. . . . . .
GEORGE FARCY
“Erro é teu. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Nem foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença vivo,
Nulo se estavas ausente.
E se ora me vês esquivo,
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que, – como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro...Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras...“
HORAS VIVAS NO ÁLBUM DA EXMA. SRA. D. C. F. DE SEIXAS (1864)
“Noite: abrem-se as flores...
Que esplendores!
Cíntia sonha amores
Pelo céu.
Tênues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas,
Como um véu.
Mãos em mãos travadas,
Animadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar;
Soltos os cabelos,
Em novelos,
Puros, louros, belos,
A voar.
- “Homem, nos teus dias
Que agonias,
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras,
Como as derradeiras
Ilusões!
- Quantas, quantas vidas
Vão perdidas,
Pombas mal feridas
Pelo mal!
Anos após anos,
Tão insanos,
Vêm os desenganos
Afinal.
- “Dorme: se os pesares
Repousares,
Vês? - por estes ares
Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
E lascivas,
Somos – horas vivas
De dormir!" –“
AS VENTOINHAS (1863)
Com seus olhos vaganaus,
Bons de dar, bons de tolher.
SÁ DE MIRANDA
“A mulher é um catavento,
Vai ao vento,
Vai ao vento que soprar;
Como vai também ao vento
Turbulento,
Turbulento e incerto o mar.
Sopra o sul: a ventoinha
Volta azinha,
Volta azinha para o sul;
Vem taful; a cabecinha
Volta azinha,
Volta azinha ao meu taful.
Quem lhe puser confiança,
De esperança,
De esperança mal está;
Nem desta sorte a esperança
Confiança,
Confiança nos dará.
Valera o mesmo na areia
Rija ameia,
Rija ameia construir;
Chega o mar a vai a ameia
Com a areia,
Com a areia confundir. 24
Ouço dizer de umas fadas
Que abraçadas,
Que abraçadas como irmãs
Caçam almas descuidadas...
Ah que fadas!
Ah que fadas tão vilãs!
Pois, como essas das baladas,
Umas fadas,
Umas fadas dentre nós,
Caçam, como nas baladas;
E são fadas,
E são fadas de alma e voz.
É que – como o catavento,
Vão ao vento,
Vão ao vento que lhes der;
Cedem três coisas ao vento:
Catavento,
Catavento, água e mulher.”
AS ONDINAS (NOTURNO DE H. HEINE)
“Beijam as ondas a deserta praia;
Cai do luar a luz serena e pura;
Cavaleiro na areia reclinado
Sonha em hora de amor e de ventura.
As ondinas, em nívea gaze envoltas,
Deixam do vasto mar o seio enorme;
Tímidas vão, acercam-se do moço,
Olham-se e entre si murmuram: “Dorme!"
Uma – mulher enfim – curiosa palpa
De seu penacho a pluma flutuante;
Outra procura decifrar o mote
Que traz escrito o escudo rutilante.
Esta, risonha, olhos de vivo fogo,
Tira-lhe a espada límpida e lustrosa,
E apoiando-se nela, a contemplá-la
Perde-se toda em êxtase amorosa.
Fita-lhe aquela namorados olhos,
E após girar-lhe em torno embriagada,
Diz: “Que formoso estás, ó flor da guerra,
Quanto te eu dera por te ser amada!"
Uma, tomando a mão ao cavaleiro,
Um beijo imprime-lhe; outra, duvidosa,
Audaz por fim, a boca adormecida
Casa num beijo à boca desejosa.
Faz-se de sonso o jovem; caladinho
Finge do sono o plácido desmaio,
E deixa-se beijar pelas ondinas
Da branca lua ao doce e brando raio.”
O DILÚVIO (1863)
E caiu a chuva sobre a terra
quarenta dias e quarenta noites.
Genesis: 7, 12
“Do sol ao raio esplêndido,
Fecundo, abençoado,
A terra exausta e úmida
Surge, revive já;
Que a morte inteira e rápida
Dos filhos do pecado
Pôs termo à imensa cólera
Do imenso Jeová!
Que mar não foi! que túmidas
As águas não rolavam!
Montanhas e planícies
Tudo tornou-se um mar;
E nesta cena lúgubre
Os gritos que soavam
Era um clamor uníssono
Que a terra ia acabar.
Em vão, ó pai atônito,
Ao seio o filho estreitas;
Filhos, esposos, míseros,
Em vão tentais fugir!
Que as águas do dilúvio
Crescidas e refeitas,
Vão da planície aos píncaros
Subir, subir, subir!
Só, como a idéia única
De um mundo que se acaba,
Erma, boiava intrépida,
A arca de Noé;
Pura das velhas nódoas
De tudo o que desaba,
Leva no seio incólumes
A virgindade e a fé.
Lá vai! Que um vento alígero,
Entre os contrários ventos,
Ao lenho calmo e impávido
Abre caminho além...
Lá vai! Em torno angústias,
Clamores e lamentos;
Dentro a esperança, os cânticos,
A calma, a paz e o bem.
Cheio de amor, solícito,
O olhar da divindade,
Vela os escapos náufragos
Da imensa aluvião.
Assim, por sobre o túmulo
Da extinta humanidade
Salva-se um berço: o vínculo
Da nova criação.
Íris, da paz o núncio,
O núncio do concerto,
Riso do Eterno em júbilo,
Nuvens do céu rasgou;
E a pomba, a pomba mística,
Voltando ao lenho aberto,
Do arbusto da planície
Um ramo despencou.
Ao sol e às brisas tépidas
Respira a terra um hausto,
Viçam de novo as árvores,
Brota de novo a flor;
E ao som de nossos cânticos,
Ao fumo do holocausto
Desaparece a cólera
Do rosto do Senhor.”
A CAROLINA
“A Carolina” foi um poema especial, do fundo do coração de Machado de Assis. Esse poema foi feito após a perda de Carolina Augusta Xavier de Novaes Machado de Assis em outubro de 1904. Você pode conferi-lo por meio do link logo abaixo, na barra azul 👇🏻:
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