Ele costumava olhar a cidade como quem
passa de trem, e não pode possuir a paisagem. Que belas mulheres, que
admiráveis lugares de diversões, e que restaurantes... e que bebidas! Feliz era
o turista que chupava a cidade por um canudo. Mas ele – ele era o seu escravo!
De casa para o trabalho, do trabalho para a casa. Quando chegava o dia de folga
– a mulher, que estava dia a dia ficando mais feia e ácida, se agarrava com
ele. Ela era quem escolhia o cinema, ou a visita...
Numa segunda-feira, em que o homem sentia
a vida como um nó na garganta, um companheiro de trabalho lhe deu certa
notícia:
- Sabe? O chefe vai mandar-me a Buenos
Aires por quinze dias!
- Mas você é um homem de sorte! Eu sempre
quis conhecer aquela terra!
A viagem do colega a Buenos Aires deu ao
nosso conhecido um complexo: o da liberdade! A inveja nele doía. E então pediu
ao felizardo:
- Tive uma ideia. Vou tomar férias. E como
não tenho dinheiro para viajar... fico por aqui mesmo. Mas quero que minha
mulher pense que estou fora. Meu amigo – eu vou é me acabar! Vou-me divertir
para o resto da minha vida. Você vai para Buenos Aires, mas a gente rica de lá
vêm passear aqui. Quer dizer que isto é bom. O de que se precisa é de
liberdade, para gozar o Rio.
Como o amigo concordasse com sua fantasia,
o carioca que queria gozar o Rio como turista disse à mulher:
- Meu bem, tenho uma novidade para contar.
O chefe me despachou para Buenos Aires por duas semanas! Vou ter muitas
saudades de você! Nós que não nos separamos nunca!
E ele não quis que a mulher o acompanhasse
no aeroporto:
- Vou ficar muito emocionado!
Nesse dia, em que deveria embarcar, ele
madrugou e foi levar o amigo, entregando-lhe meia dúzia de telegramas que
deveria passar...
E caiu na orgia. À noite, depois de um dia
de companhia alegre, de passeio de lancha, de teatro ao lado de uma loura, à
noite, lá pelas onze horas, uns conhecidos que chegavam a uma boate deram com
nosso personagem num pileque terrível. Daí a meia hora estava dormindo sobre a
mesa: ninguém sabia que ele tomara um quarto em hotel... nem conhecia sua trama
inventada. Os amigos, penalizados, o puseram num automóvel, e, sabendo de seu
endereço, o deixaram em casa, onde a mulher o recebeu com espanto, que se
transformou em cólera tremenda. Quando, de manhãzinha, o homem acordou em seu
quarto, mediu toda a extensão da sua... desgraça:
- Meu bem, os amigos, lá no aeroporto... O
avião atrasara quatro horas... me deram uma festinha de despedida... e eu perdi
a hora... Mas não foi minha culpa. Você me perdoe. Isso aconteceu porque eu não
tenho o hábito dessas coisas... Mas eu me arranjarei com o chefe... Até foi
bom. Ele manda outro funcionário, e eu não me separo mais da minha mulherzinha.
A senhora estava furiosa! Foi preciso
muito juramento e muita declaração de amor para que amansasse um pouquinho. À
tarde, quando estava já querendo fazer as pazes, tocou a campainha da porta.
Era um telegrama. Ela o abriu:
“Viagem ótima. Morrendo saudades querida
mulherzinha”.
Foi a tempestade. A senhora arrumou a bagagem.
Ia para a casa do pai, pois não era uma abandonada. O marido se arrojou ao
chão, inventou histórias, disse que se mataria. Ela ficou. Mas quando se
recolhiam ao quarto de pazes feitas, chegou novo telegrama:
“Buenos Aires sem ti não vale nada.”
E os quinze dias do homem que quis quebrar
sua rotina foram tremendos. Mesmo porque o amigo que levara os telegramas
mudara de hotel, em Buenos Aires, e se desincumbiu religiosamente da sua
missão. O último despacho que mandou foi assim:
“Volto amanhã teus braços”. E estava
gentilmente assinado: “Maridinho”.
QUEIROZ, Dinah S. de.
(In: Quadrante. 4. Ed. Rio de Janeiro: Ed.
do Autor, 1968, p.161-3)
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