“Você nunca havia se
dado conta de que o amor não se pede, não se especifica, não se vende em loja”
Você
gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse
amor nem precisaria ser muito bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te
adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim.
É pedir muito? Ora, você está sendo até modesto.
O
problema é que todos imaginam um amor a seu modo, cheio de pré-requisitos. Ao
analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu
amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja pra assistir em casa, no
DVD. E seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um objetivo na
vida. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém
está pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da playboy. Basta um amor desses
fabricados em série, não pode ser tão impossível.
Aí
a vida bate à sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você
queria. Será que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o
protocolo. Esse é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no
lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine
aqui, adeus.
E
agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é
a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um
amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia
supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você
estipulou. Um amor que a cada dia faz você pensar que de hoje não passa, mas a
noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não
esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego.
Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não
encontramos o certo, e o certo é aquele outro que você havia solicitado, mas a
vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie
esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que
não lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de
caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor
escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi
destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet,
que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou
compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca
havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se
experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!
Aquele
amor coretinho por você tão sonhado vai para na porta de alguém que despreza
amores corretos, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de
amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um
prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado. Aquele amor que você
encomendou não veio, parabéns! Agradeça e aproveite o que lhe foi entregue por
sorteio.
MEDEIROS,
Martha. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, RS.
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