“Sou
compulsiva, eu sei. Limpeza e arrumação.
Todos
os dias eu boto a mesa, tiro a mesa. Café, almoço, jantar. E pilhas de louça na
pia, e espumas redentoras.
Todos
os dias entro nos quartos, desfaço camas, desarrumo berços, lençóis ao alto
como velas. Para tudo arrumar depois, alisando colchas de crochê.
Sou
caprichosa, eu sei. Desde o pó sobre os móveis. Que eu colho na flanela.
Escurecem-se as pratas. Que eu esfrego com a camurça. A aranha tece. Que eu enxoto.
A traça rói. Que esmago. O cupim voa. Que eu afogo na água da tigela sob a luz.
E
de vassoura em punho gasto tapetes persas.
Sou
perseverante, eu sei. À mesa que ponho ninguém senta. Nas camas que arrumo ninguém
dorme. Não há ninguém nessa casa, vazia há tanto tempo.
Mas
sem tarefas domésticas, como preencher de feminina honradez a minha vida?”
COLASSANTI, Marina.
(em: Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986)
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