Leia a crônica de Fabrício Carpinejar,
publicada em 4 de outubro de 2011 no Jornal Zero Hora, que versa sobre a
intrigante questão (não, não é o que você está pensando, sobre ser ou não ser,
de Shakespeare): Afinal, o que é o amor? Será que ele realmente é
exibicionista?
“Há o condicionamento de que amor mesmo,
de verdade, é gastar metade do salário para a esquadrilha da fumaça assinar o nome
da namorada pelos céus de Porto Alegre.
Temos uma noção de que amor mesmo, de
verdade, é exibicionista. Depende de surpresas públicas de afeto como serenata
na janela, carro de som, anúncios na TV, outdoors com pedidos de casamento.
Mulheres e homens se desesperam por um
amor público, encantado, de estádio cheio, e cobram provas mirabolantes de seus
parceiros. Reclamam da rotina, da previsibilidade, e exigem declarações
barulhentas para despertar a inveja do próximo.
O amor espalhafatoso recebe a fama, mas o
amor contido é mais profundo.
Ao procurar o amor empresarial,
desprezamos o amor funcionário público, que atende às ligações e escreve nossos
memorandos.
Ao perseguir o amor de cinema, desdenhamos
o amor de teatro, de quem encena a peça todo dia do nosso lado, sempre com uma
interpretação nova a partir das falas iguais.
Ao cobiçar o amor sensual de lareira e
restaurante, apagamos a delícia de comer direto nas panelas, sem pratos, sem
medo do garçom.
Ao perseguir a aventura, negamos a
permanência.
Preocupados em ser reconhecidos mais do
que amar, esquecemos a verdade pessoal e despojada de nosso relacionamento.
Recusamos o amor constante, o amor cúmplice.
Não valorizamos a passionalidade
silenciosa, a passionalidade humilde, a passionalidade generosa, a
passionalidade tímida, a passionalidade artisanal.
O passional pode ser discreto na aparência
e prático na ternura. O amor mais contundente é o que não precisa ser visto
pera existir. E continuará sendo feito apesar de não ser reparado.
O amor real é secreto. É conservar um
pouco de amor platônico dentro do amor correspondido. É reservar as gavetas do
armário mais acessíveis para as roupas dela, é deixar que sua mulher tome a
última fatia de pizza que você mais gosta, é separar as roupas de noite para
não acordá-la de manhã. E nunca falar que isso aconteceu. E não jogar na cara
qualquer ação. E não se vangloriar das próprias delicadezas.
Buscá-la no trabalho é o equivalente a
oferecer um par de brilhantes. Esperar com comida pronta é o equivalente a
acolhê-la com um buquê de rosas vermelhas.
São demonstrações sutis, que não dá para
contar para os outros, mas que contam muito na hora de acordar para enfrentar a
vida.”
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