Leia o segundo capítulo de um dos vários contos escritos pelo grande
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, fundador da
Academia Brasileira de Letras. Este conto faz parte da coletânea ‘Histórias da
Meia Noite’.
“SEGUNDO CAPÍTULO
À
MESMA
Corte, 15 de outubro
Gastou muitos dias, mas veio uma carta
longa, e, apesar disso, curta.
Obrigada pelo trabalho; peço-lhe que o
repita; aborreço os seus bilhetinhos, escritos às carreiras, com o
pensamento... em quem? Nesse marido cruel que só cuida de eleições, segundo li
outro dia. Eu escrevo cartinhas quando não tenho tempo para mais. Mas quando me
sobra tempo escrevo cartões. Creio que disse uma tolice; desculpe-me.
Vieram as encomendas logo no dia seguinte
ao da minha última carta. E que quer você que eu lhe mande? Tenho aqui uns
figurinos recebidos ontem, mas não há portador. Se puder arranjar algum por
estes dias irá também um romance que me trouxeram esta semana. Chama-se Ruth. Conhece?
A Mariquinhas Rocha vai casar. Que pena!
tão bonitinha, tão boa, tão criança, vai casar... com um sujeito velho! E não é
só isto: casa-se por amor. Eu duvidei de semelhante coisa; mas todos dizem que
tanto o pai como os mais parentes procuraram dissuadi-la de semelhante projeto;
ela porém insistiu de maneira que ninguém mais se lhe opôs.
A falar verdade, ele não está a cair de
maduro; é velho, mas elegante, gamenho, robusto, alegre, diz muitas pilhérias e
parece que tem bom coração. Não era eu que caía apesar de tudo isto. Que
consórcio pode haver entre uma rosa e uma carapuça?
Antes, mil vezes antes, casasse ela com o
filho do noivo; esse sim, é um rapaz digno de merecer uma moça como ela. Dizem
que é um bandoleiro dos quatro costados; mas você sabe que eu não creio em
bandoleiros. Quando uma pessoa quer, vence o coração mais versátil deste mundo.
O casamento parece que será daqui a dois
meses. Irei naturalmente às exéquias, quero dizer às bodas. Pobre Mariquinhas!
Lembra-se das nossas tardes no colégio? Ela era a mais quieta de todas, e a
mais cheia de melancolia. Parece que adivinhava este destino.
Papai aprovou muito a escolha dela;
faz-lhe muitos elogios como pessoa de juízo, e chegou a dizer que eu devia
fazer o mesmo. Que lhe parece?
Eu, se tivesse de seguir algum exemplo,
seguia o da minha Luísa; essa sim, é que teve dedo para escolher... Não mostre
esta carta a seu marido; é capaz de arrebentar de vaidade. E vocês não vêm para
cá? É pena; dizem que vamos ter companhia lírica, e mamãe está melhor. Quer
dizer que vou passar algum tempo de vida excelente. O futuro enteado da
Mariquinhas, o tal que ela devia escolher em lugar do pai, afirma que a
companhia é magnífica. Seja ou não, é mais um divertimento. E você lá na
roça!...
Vou jantar; adeus. Escreva-me quando
puder, mas nada de cartas microscópicas. Ou muito ou nada.
RAQUEL”
□
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