A rua estava fria. Era sábado ao anoitecer
mas eu estava chegando e não saindo. Passei no bar e comprei um maço de
cigarros. Vinte cigarros. Eram os vinte amigos que iam passar a noite comigo.
A porta se fechou como uma despedida para
a rua. Mas a porta sempre se fechava assim. Ela se fechou com um som abafado e
rouco. Mas era sempre assim que ela se fechava. Um som que parecia o adeus de
um condenado. Mas a porta simplesmente se fechara e ela sempre se fechava
assim. Todos os dias ela se fechava assim.
Acender o fogo, esquentar o arroz, fritar
um ovo. A gordura estala e espirra ferindo minhas mãos. A comida estava boa.
Estava realmente boa, embora tenha ficado quase a metade no prato. Havia uma
casquinha de ovo e pensei em pedir-me desculpas por isso. Sorri com este
pensamento. Acho que sorri. Devo ter sorrido. Era só uma casquinha.
Busquei no silêncio da copa algum inseto
mas eles já haviam todos adormecido para a manhã de domingo. Então eu falei em
voz alta. Precisava ouvir alguma coisa e falei em voz alta. Foi só uma frase
banal. Se houvesse alguém perto diria que eu estava ficando doido. Eu sorriria.
Mas não havia ninguém. Eu podia dizer o que quisesse. Não havia ninguém para me
ouvir. Eu podia rolar no chão, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer, chorar,
soluçar, perder a fala, não havia ninguém para me ver. Ninguém para me ouvir.
Não havia ninguém. Eu podia até morrer.
De manhã o padeiro me perguntou se estava
tudo bom. Eu sorri e disse que estava. Na rua o vizinho me perguntou se estava
tudo certo. Eu disse que sim e sorri. Também meu patrão me perguntou e eu
sorrindo disse que sim. Veio a tarde e meu primo me perguntou se estava tudo em
paz e eu sorri dizendo que estava. Depois uma conhecida me perguntou se estava
tudo azul e eu sorri e disse que sim, estava, tudo azul.
VILELA, Luiz.
(In: Tremor da Terra. 4. ed. São Paulo:
Ática, 1977 p. 93)
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