cliptomania
APROXIMA-SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM
DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO
—
Seu José, mestre carpina,
que
habita este lamaçal,
sabes
me dizer se o rio
a
esta altura dá vau?
sabe
me dizer se é funda
esta
água grossa e carnal?
—
Severino, retirante,
jamais
o cruzei a nado
quando
a maré está cheia
vejo
passar muitos barcos,
barcaças,
alvarengas,
muitas
de grande calado.
—
Seu José, mestre carpina,
para
cobrir corpo de homem
não
é preciso muito água:
basta
que chega o abdome,
basta
que tenha fundura
igual
à de sua fome.
—
Severino, retirante
pois
não sei o que lhe conte
sempre
que cruzo este rio
costumo
tomar a ponte
quanto
ao vazio do estômago,
se
cruza quando se come.
—
Seu José, mestre carpina,
e
quando ponte não há?
quando
os vazios da fome
não
se tem com que cruzar?
quando
esses rios sem água
são
grandes braços de mar?
—
Severino, retirante,
o
meu amigo é bem moço
sei
que a miséria é mar largo,
não
é como qualquer poço:
mas
sei que para cruzá-la
vale
bem qualquer esforço.
—
Seu José, mestre carpina,
e
quando é fundo o perau?
quando
a força que morreu
nem
tem onde se enterrar,
por
que ao puxão das águas
não
é melhor se entregar?
—
Severino, retirante,
o
mar de nossa conversa
precisa
ser combatido,
sempre,
de qualquer maneira,
porque
senão ele alarga
e
devasta a terra inteira.
—
Seu José, mestre carpina,
e
em que nos faz diferença
que
como frieira se alastre,
ou
como rio na cheia,
se
acabamos naufragados
num
braço do mar miséria?
—
Severino, retirante,
muita
diferença faz
entre
lutar com as mãos
e
abandoná-las para trás,
porque
ao menos esse mar
não
pode adiantar-se mais.
—
Seu José, mestre carpina,
e
que diferença faz
que
esse oceano vazio
cresça
ou não seus cabedais
se
nenhuma ponte mesmo
é
de vencê-lo capaz?
—
Seu José, mestre carpina,
que
lhe pergunte permita:
há
muito no lamaçal
apodrece
a sua vida?
e
a vida que tem vivido
foi
sempre comprada à vista?
—
Severino, retirante,
sou
de Nazaré da Mata,
mas
tanto lá como aqui
jamais
me fiaram nada:
a
vida de cada dia
cada
dia hei de comprá-la.
—
Seu José, mestre carpina,
e
que interesse, me diga,
há
nessa vida a retalho
que
é cada dia adquirida?
espera
poder um dia
comprá-la
em grandes partidas?
—
Severino, retirante,
não
sei bem o que lhe diga:
não
é que espere comprar
em
grosso tais partidas,
mas
o que compro a retalho
é,
de qualquer forma, vida.
—
Seu José, mestre carpina,
que
diferença faria
se
em vez de continuar
tomasse
a melhor saída:
a
de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?
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