“Amanhã faz um mês que a Senhora está
longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom
chegar tarde, esquecido na conversa da esquina. Não foi ausência por uma
semana; o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance
no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez
coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão,
ninguém os guardou embaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, e
até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber
com os amigos. Uma hora da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de
sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas
brigas por causa do tempero na salada – o meu jeito de querer bem. Acaso é
saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham.
Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum
de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros. Venha para casa, Senhora, por favor.”
TREVISAN, Dalton. (In:
O Conto Brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1997. Página 190)
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