Uma questão polêmica - as touradas

Cultura
 

As touradas e corridas de touros (correbous) são símbolos da Espanha conhecidos em todo o Mundo. Estas práticas esportivas geram polêmica e criam subculturas espanholas onde há pessoas pró e contra dentro da mesma cultura.
A própria Espanha é um conjunto de províncias independentes, com suas peculiaridades. Como este separatismo é acirrado, considerou-se por parte dos políticos conservadores que a recente proibição das touradas na Catalunha foi apenas um jogo político, que viram nessa decisão um reflexo revanchista após a rejeição no fim de junho, pelo Tribunal Constitucional, de parte do novo estatuto ampliado de autonomia da Catalunha.
“É uma ofensiva nacionalista, uma provocação e uma vingança", afirmou Jaime Mayor Oreja, eurodeputado do opositor Partido Popular (PP, direita) e ex-ministro do Interior.
A proibição da Festa Nacional Espanhola nada tem a ver com proteção do meio ambiente nem com os maus-tratos aos animais, porém busca romper laços entre a Catalunha e o resto da Espanha, afirmou a presidente regional de Madri, Esperanza Aguirre.
No entanto, este tema foi cuidadosamente evitado durante o debate no parlamento que precedeu a votação: os adversários das corridas citaram a "crueldade" e a "barbárie" do espetáculo, enquanto seus partidários pediram "liberdade" de escolha para os amantes desse complexo cultural. Diversos especialistas estimaram que o voto antitourada não foi nada além de uma consequência lógica do desapego progressivo do público das corridas na Catalunha, onde apenas a "Monumental" de Barcelona continua organizando festas. Enquanto protestavam contra os "políticos" catalães, Simon Casas, o mais espanhol dos empresários taurinos, reconhecera que essa proibição não é uma "grande perda" em uma região onde as touradas tradicionais praticamente desapareceram.
As organizações de defesa dos animais estiveram eufóricas depois da decisão, mostrando sua esperança de um efeito de contágio no resto do país, algo  pouco provável.
Vários líderes socialistas criticaram, por sua vez, a vontade da oposição de "politizar" essa votação e alimentar assim o conflito entre Barcelona e Madri.
"Creio que é uma decisão tomada pela Catalunha. Podemos concordar ou discordar, mas acredito que deveríamos deixar essa questão no âmbito de uma decisão que não tem conotações políticas, mas outro tipo de conotação. Não deveríamos politizar essa decisão", disse o ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcaba, mostrando seu desacordo com a proibição.
Simpatizantes e opositores estavam mobilizados, antes da decisão, aguardando a disputa que prometia ser acirrada. Os admiradores das touradas defendiam-nas enquanto  os adversários  lutavam pelo fim da tortura contra os animais.
"As touradas são um espetáculo da tortura", afirmou o porta-voz do grupo verde Iniciativa Per Catalunya-Els Verds (ICV-EUIA), Francesc Pané. Para a organização AnimaNaturalis trata-se de um primeiro passo para a abolição das touradas em todo o mundo.
A atriz francesa Brigitte Bardot, famosa por sua defesa dos direitos dos animais, comemorou a decisão.
"É uma vitória da democracia sobre os lobbies taurinos. Uma vitória da dignidade sobre a crueldade. A tourada é de um sadismo incrível. Já não estamos nos jogos circenses e é necessário pôr um fim imediato a esta tortura animal", afirmou. Os opositores às touradas são cada vez mais numerosos na Catalunha e apoiados por poderosas organizações internacionais de defesa dos animais, relembram que esta tradição está perdendo força.
A votação aconteceu num contexto complicado para o setor "taurino" na Espanha, que gera cerca de 40 000 empregos e bilhões de euros por ano, e que vem sentindo efeitos negativos desde 2009 por causa da crise econômica adjuntos a redução paulatina de espectadores.
Inúmeras regiões espanholas anunciaram, assim que se iniciou o debate na Catalunha, suas intenções de inscrever a tourada como patrimônio cultural, a fim de proteger a tradição. Ainda assim, os grupos contrários continuam a ganhar espaço. Como se percebe, o surgimento de subculturas como a dos pró e contra touradas é inevitável e surge em paralelo a mudança de gerações e de valores. Os valores atuais, não só na Espanha, mas também em todo o mundo, são de alinhamento às causas ambientais, o que pode ser aproveitado como meio de adequação por políticos, o que não significa que estes o fizeram como afirmaram seus opositores.
As opiniões pró e contra as touradas atravessam as fronteiras espanholas. Na crônica “Mário Fernandes e as Touradas”  da edição de 03 de outubro de 2011 do Jornal Zero Hora (Porto Alegre), J.A. Pinheiro Machado destaca as touradas como um traço inseparável da cultura hispânica. Abaixo o trecho referente às touradas: 

             “Em relação à proibição das touradas, fico com a mesma desconfiança diante do aplauso generalizado à suposta medida de proteção aos animais. No fundo, o decreto, antes de preservar os touros, parece querer amputar um traço marcante que une a Catalunha à Espanha. As touradas estão na vida, na arte e na literatura espanholas, estão nas telas de Picasso, de Miró, de Goya. Por certo, os touros que vão à arena são criados nas melhores condições, com todos os cuidados, e talvez sofram menos do que a multidão de reses confinadas, torturadas e abatidas diariamente. O escritor português Miguel de Sousa Tavares revelou uma desconfiança ainda mais grave, lembrando com amargura a frase de Macaulay: ‘’’Os puritanos detestavam os jogos de ursos, não porque esses jogos causassem sofrimento aos ursos, mas porque davam prazer aos espectadores’. Mesmo que se admita a sinceridade de propósitos da exígua maioria do parlamento catalão que virou a página da tradição, fica a dúvida invencível de ter escapado da proibição o “correbous”, ritual dos touros soltos nas ruas, tendo nos chifres dispositivos com material combustível que queima o animal, deixando-o enlouquecido pelo calor, fazendo-o correr e investir em desespero para todo o lado, tentando livrar-se da tortura. Nas touradas, às vezes, a plaza lotada fica em silêncio: uma tarde: vi Paco Camino levado numa ambulância, depois de ser chifrado pelo touro.”

 A discussão sobre as touradas é expressiva por envolver não só a manutenção de um aspecto cultural espanhol, mas questões éticas, ambientais e políticas. Há muitos combustíveis para este conflito histórico que envolve os rumos da cultura espanhola.
 



 
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