Filhos de Estimação

Crônica

 

Li em algum lugar que uma entidade protetora de animais está oferecendo cães e gatos abandonados a pessoas de bom coração que queiram adotá-los. Os animais passaram por veterinários, estão ótimos de saúde, não oferecem perigo. Por que foram atirados à rua? Quem sabe, porque as pessoas enjoam dos bichos quando estes crescem. Ou porque o bicho dá trabalho. Não sei, porém, se vocês repararam que os cachorros e gatos vagabundos estão diminuindo nas ruas. Era comum antes topar com dezenas de vira-latas perambulando pelas calçadas, cheiriscando muros e latas de lixo. Agora pouca gente usa lata para guardar lixo. O próprio lixo emagreceu, não tem mais a atração da fartura de desperdício de tempos atrás. Inflação, custo de vida, essas coisas. A captura municipal se aprimorou. A campanha de prevenção da Raiva alertou os donos dos bichos. E os automóveis não perdoam cachorro e gato distraído.
Para substituir estes animaizinhos desvalidos surgem novos bandos de crianças desgarradas em São Paulo. Se antes uma criança pedindo esmola chamava nossa atenção, hoje nós a olhamos com naturalidade e indiferença. Dar ou recusar uma esmola, uma moeda, tornou-se um gesto maquinal.
Suponho que o destino desses guris está selado: eles acabarão na cadeia. Ou nos encostarão contra a parede a qualquer momento, o revólver em nosso peito.
É possível que amanhã, com outro governo, o Brasil não seja um grande exportador de armas, mas passe a ser conhecido pelo mundo como um país de brio que deu às crianças esquálidas e tristes não direi diploma de doutor, isso seria um enorme milagre inútil. Mas uma oportunidade de trabalho, ao menos isso, com um pagamento que lhes permita, depois de aprender uma profissão prática, ganhar a vida com o coração limpo e honestidade. Podemos sonhar acordados. 

DIAFÉRIA, Lourenço.
(In: Jornal da Tarde, 26.set.1984)
 


 

 
Þ Gostou desta postagem? Usando estes botões, compartilhe com seus amigos!

Postar um comentário

0 Comentários