À História (I)

Literatura

I.
[Imagem: Terminologia Arquivística]


Mas o Homem, se é certo que o conduz,
Por entre as cerrações do seu destino,
Não sei que mão feita d’amor e luz
Lá para as bandas d’um porvir divino...
Se, desde Prometeu até Jesus,
O fazem ir - estranho peregrino,
O Homem, tenteando a grossa treva,
Vai... mas ignora sempre quem o leva!

Ele não sabe o nome de seus Fados,
Nem vê de frente a face do seu guia.
Onde o levam os deuses indignados?...
Isto só lhe escurece a luz do dia!
Por isso verga ao peso dos cuidados;
Duvida e cai, lutando em agonia:
E, se lhe é dado que suplique e adore,
Também é justo que blasfeme e chore!

Já que vamos, é bom saber aonde...
O grão de pó que o simoun levanta,
E leva pelo ar e envolve e esconde,
Também, no turbilhão, se agita e espanta,
Também pergunta aonde vai e d’onde
O traz a tempestade que o quebranta...
E o homem, bago d’água pequenino,
Também tem voz na onda do destino!

Porque os evos, rolando, nos lançaram
Sobre a praia dos tempos, esquecidos,
E, náufragos d’uma hora, nos deixaram
Postos ao ar, sem teto e sem vestidos.
Estamos. Mas que ventos nos deitaram
E com que fim, aqui, meio partidos,
Se um Acaso, se Lei nos céus escrita...
Eis o que a mente humana em vão agita!

Ó areias da praia, ó rochas duras,
Que também prisioneiras aqui estais!
Entendeis vós acaso estas escuras
Razões da sorte, surda a nossos ais?
Sabê-las tu, ó mar, que te torturas
No teu cárcere imenso? e, águas, que andais
Em volta aos sorvedouros que vos somem,
Sabeis vós o que faz aqui o Homem?

Fronte que banha a luz - e olhar que fita
Quanta beleza a imensidão rodeia!
Da geração dos seres infinita
Mais pura forma e mais perfeita idéia!
No vasto seio um mundo se lhe agita...
E um sol, um firmamento se incendeia
Quando, ao clarão da alma, em movimento
Volve o astro do céu do pensamento!

E, entanto, ó largo mundo, que domina
Seu espírito imenso! ele é mesquinho
Mais que a ave desvalida e pequenina,
A que o vento desfez o estreito ninho!
Quanto mais vê da esfera cristalina
Mais deseja, mais sente o agudo espinho...
E o círculo de luz da alma pura
É um cárcere, apenas, de tortura!

Um sonho gigantesco de beleza
E uma ânsia de ventura o faz na vida
Caminhar, como um ébrio, na incerteza
Do destino e da Terra-prometida...
Sorri-lhe o céu de cima, e a natureza
Em volta é como amante apetecida -
Ele porém, sombrio entre os abrolhos,
Segue os passos do sonho... e fecha os olhos!

Fecha os olhos... que os passos da visão
Não deixam mais vestígios do que o vento!
Tu, que vais, se te sofre o coração
Virar-te para trás... pára um momento...
Dos desejos, das vidas, n’esse chão
Que resta? que espantoso monumento?
Um punhado de cinzas - toda a glória
Do sonho humano que se chama História.

QUENTAL, Antero de.
(In: Antologia Poética)


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